domingo, setembro 09, 2007

As luta dos índios

Os últimos dias foram pródigos em ilustrar a dureza da luta dos povos indígenas. Dois casos brasileiros que são, certamente, representativos de situações bastante comuns enfrentadas pelos indígenas em todos os países da América.

No último 28 de agosto, nos gabinetes do poder público, a vitória dos povos Tupinikim e Guarani do Espírito Santo contra a multinacional Aracruz. Esta empresa, que havia se apropriado ilegalmente de territórios indígenas e quilombolas, sofreu uma dura derrota jurídica e política com a assinatura da portaria que garante aos índios a posse da área reivindicada há décadas.

Índios comemoram vitória contra Aracruz Celulose
Foto: Valter Campanato (Agência Brasil)















Exatamente uma semana antes, uma amostra nítida da natureza - mais do que face, trata-se de natureza - arbitrária e truculenta dos senhores de escravos do agronegócio brasileiro, cuja essência é a mesma há quinhentos anos.

Em Juína(MT), ativistas do Greeenpeace, da OPAN e dois jornalistas franceses foram
impedidos (!) de acompanhar um grupo de índios Enawenê Nawê numa missão cujo objetivo seria colher imagens para um documentário sobre o desmatamento do seu território pelos fazendeiros locais. Com isso, a Constituição Federal foi reduzida a pó, em nome do sagrado direito à propriedade e da santíssima liberdade econômica. Assista ao vídeo (12min) que mostra o tipo de democracia defendem os latifundiários.

Abaixo, pequeno texto escrito em 1691, atualíssimo ainda hoje.

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1691
Placentia

Adario, chefe dos índios hurões, fala ao Barão de Lahontan, colonizador francês de Terranova

Não, já bastante miseráveis são os senhores; não imagino como poderiam ser piores. A que espécie de criaturas pertencem os europeus, que classe de homens são? Os europeus, que só fazem o bem por obrigação, e não tem outro motivo para evitar o mal que o medo ao castigo...

Quem lhes deu os países que agora habitam? Com que direito os possuem? Estas terras pertenceram desde sempre aos algonquinos. De verdade, meu querido irmão, sinto pena de ti no fundo de minha alma. Siga meu conselho e faça-te hurão. Vejo claramente a diferença que há entre a minha condição e a tua. Eu sou meu amo, e o amo da minha condição. Eu sou o amo de meu próprio corpo, disponho de mim, faço o que me dá prazer, sou o primeiro e o último da minha nação, não tenho medo de ninguém e só dependo do Grande Espírito. Em compensação, teu corpo e tua alma estão condenados, dependem do grande capitão, o vice-rei dispõe de ti, não tens a liberdade de fazer o que te vier à cabeça; vives com medo dos ladrões, das falsas testemunhas, dos assassinos; e deves obediência a uma infinidade de pessoas que estão por cima de ti. É verdade ou não é verdade?

Eduardo Galeano, Memória do Fogo I - Os nascimentos
Fonte: MacLuhan, T.C. (Compilador) Touch the Earth (A self-portrait of Indian existence). Nova York, Simon and Schuster, 1971.

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Mais sobre esse tema neste espaço:
http://bocasdotempo.blogspot.com/2007/07/dizem-os-ndios.html

PS: Os hurões - apelido pejorativo ("brutamontes") dado pelos franceses ao povo Wyandot - habitavam a área que hoje corresponde à região dos estados de Ontário, no Canadá, e Ohio, Michigan e Wisconsin, nos Estados Unidos.

PS2: O governo sueco, por conta das ações ilegais da Aracruz, se desfez de suas ações na empresa. Ver mais detalhes aqui. O Banco Mundial também teve que dar satisfações à sociedade por ter feito um empréstimo vultoso à empresa, que ainda tem no seu histórico a condenação judicial por uma campanha publicitária discriminatória contra os indígenas.