segunda-feira, agosto 20, 2007

A personificação da dignidade

- Avisa ao Flavio que eu completei 82 anos!, diz, com entusiasmo.

O sorriso largo e fácil da pequenina senhora, de cabeleira branca como neve, contrasta com a sua história de vida.

Hoje, penúltimo dia da II Conferência Nacional de Políticas para Mulheres, tive o prazer de conhecê-la. Mesmo no meio de 3 mil militantes dos direitos das mulheres, Clara se sobressai.

Uma pequena multidão a acompanha aonde quer que vá. Mais pela vontade e possibilidade de trocar algumas palavras e conhecer a sua amabilidade do que pelos cuidados de saúde que requer.


Quando praticamente não existia o termo "machismo" para caracterizar esta dimensão da cultura hegemônica - visto que a profundidade de suas raízes anulava qualquer centelha questionadora -, Clara já era uma mulher independente, desafiadora dos padrões dominantes de sua época.

Viveu grande parte da vida na clandestinidade, fruto da opção revolucionária e da união com Carlos Marighella. É uma testemunha viva da tradição autoritária e anti-popular de um Estado que sempre serviu - e continua servindo - de agente promotor dos interesses de uma elite que não sabe o que significa a palavra democracia.

Clara Charf também é testemunha do tipo de tratamento destinado pelo Estado a quem se opõe à (des)ordem vigente. Subversivos, terroristas, comunas, vermelhos, radicais, xiitas, baderneiros, criminosos ou, no outro extremo da desqualificação, idealistas, utópicos, românticos ou nefelibatas... todas aquelas pessoas que, em algum momento, se enquadrarem nestas definições, sabem o peso da mão não tão invisível do Estado.

Com Clara, bastaram os poucos minutos em que conversamos para que eu sentisse com o próprio coração o significado das palavras que já haviam me dito sobre esta mulher doce e de imensa estatura moral.

Falei-lhe a respeito do mestre e amigo Flavio Valente:

- Ele foi morar na Alemanha e deixou comigo um presente que muito me honra, recebido de suas mãos, quando esteve em sua casa, em Havana, o Poesia Trunca. [extensa coletânea de poesias de militantes revolucionários latino-americanos, publicada apenas em Cuba, pela Casa das Américas]

Ontem (sábado) e hoje estive na Conferência, revendo amigas queridas que moram longe e colhendo assinaturas para uma moção de apoio à realização da I Conferência Nacional de Comunicação. Duas tardes com muitas histórias, muita energia positiva recebida e percebida e intensa renovação da disposição.

Transmito o recado ao Flavio e guardo na memória da alma o sorriso e o sentimento de doçura e paz que apenas quem se aproxima daquela pequenina senhora pode saber o gosto exato.

PS: Ganhei o Poesia Trunca do Flavio e assumi o compromisso de socializar para o mundo as pérolas nele reunidas. Em breve ele estará disponível na rede.

2 comentários:

Unknown disse...

Meu camarada, esse trabalho de reunir assinaturas para a conferência eu posso fazer aqui também! =) É uma atividade do Intervozes? A gente do MCDC pode fazer também?

Rogério Tomaz Jr. disse...

Marcelo, acredito que uma campanha nacional deve ser iniciada em breve, mas para uma moção ser colocada em votação na Conferência de Mulheres, é necessário 10% de assinaturas do total de delegadas (2800) presentes, metodologia que também é comum em outras conferências...
abraço!