terça-feira, maio 17, 2011

Barthes, Galeano e as flores de Nelson Rodrigues

Inspirado pelo grande amigo Gustavo "Pirulito" Trancho, que deixou uma citação de Barthes (reproduzo abaixo) no Facebook e me fez recordar essa história, contada no livro mais acalentador - como um abraço deve ser - de Eduardo Galeano.

As flores

O escritor brasileiro Nelson Rodrigues estava condenado à solidão. Tinha cara de sapo e língua de serpente, e a seu prestígio de feio e sua fama de venenoso somava-se a notoriedade de seu contagioso azar: as pessoas ao seu redor morriam de tiro, miséria ou infelicidade fatal.

Certo dia, Nelson conheceu Eleonora. Naquele dia, dia do descobrimento, quando pela primeira vez viu aquela mulher, uma violenta alegria atropelou-o e deixou-o abobado. Então, quis dizer alguma de suas frases brilhantes, mas as pernas bambearam e a língua se enrolou e não conseguiu outra coisa a não ser gaguejar ruidinhos.

Bombardeou-a de flores. Mandava flores para o apartamento dela, no alto de um edifício do Rio de Janeiro. A cada dia mandava um grande ramo de flores, flores sempre diferentes, sem repetir jamais as cores ou aromas, e ficava esperando lá embaixo: lá de baixo via a varanda de Eleonora, e da varanda ela atirava as flores na rua, todos os dias, e os automóveis as esmagavam.

E foi assim durante cinquenta dias. Até que um dia, um meio-dia, as flores que Nelson enviou não caíram na rua e não foram pisadas pelos automóveis.

Naquele meio-dia, ele subiu até o último andar, apertou a campainha e a porta se abriu.

(Eduardo Galeano - O Livro dos Abraços)

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"La identidade fatal del enamorado no es otra más que ésta: yo soy el que espera. Un mandarín estaba enamorado de una cortesana. 'Seré tuya, cuando hayas pasado cien noches esperándome sentado sobre un banco, en mi jardín, bajo mi ventana.' Pero, en la nonagesimonovena noche, el mandarín se levanta, toma su banco bajo el brazo y se va."
(Roland Barthes - Fragmentos de un discurso amoroso)

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PS: Se Nelson Rodrigues tivesse usado lírios laranjas, talvez esperasse menos.
PS2: Postado ao som perene da Música do Dia do Conexão Brasília Maranhão.

quarta-feira, dezembro 15, 2010

O parricídio

Dedicado à Léa, que foi questionada, por colombianos:

- Por quê o seu amigo quer uma camisa da seleção colombiana de futebol?

Se não tivesse existido em nenhum dia além daquele 5 de setembro de 1993, o futebol da Colômbia já mereceria seu lugar na galeria das mais memoráveis exibições já feitas na história do esporte mais popular do planeta.

Eduardo Galeano (d)escreve melhor aquele episódio.

O parricídio
No final do inverno de 1993, a seleção colombiana jogou em Buenos Aires uma partida de classificação para o Mundial. Quando os jogadores colombianos entraram em campo, foram vaiados, insultados. Quando saíram, o público despediu-se deles de pé, com uma ovação que até hoje é escutada.

A Argentina perdeu por 5 a 0. Como de costume, foi o goleiro que carregou a cruz da derrota, mas a vitória alheia foi celebrada como nunca. Por unanimidade, os argentinos agradeceram ao prodigioso jogo colombiano, gozo das pernas, prazer dos olhos: uma dança que ia criando, com coreografia mutante, sua própria música. A autoridade do Pibe Valderrama, um mulato plebeu, dava inveja aos príncipes, e os jogadores negros eram os reis da festa: ninguém passava por Perea, não havia quem detivesse o Trem Valencia, não havia quem pudesse com os tentáculos do Polvo Asprilla e não havia quem agarrasse os tirambaços de Rincón. Pela cor da pele e a cor da alegria, aquele parecia um time do Brasil dos melhores tempos.

Os colombianos chamaram aquela goleada de parricídio. Meio século antes, tinham sido argentinos os pais do futebol em Bogotá, Medellín ou Cali. Mas Pedernera, Di Stéfano, Rossi, Rial, Pontoni e Moreno tinham gerado um filho de tipo mais brasileiro, por causa das tais coisas da vida.

[Eduardo Galeano, Futebol ao sol e sombra]

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Repito sem dó: aquela foi uma das maiores exibições da história do futebol. E para quem não sabe da minha paixão pela Argentina, leia isso:

http://brasiliamaranhao.wordpress.com/2010/07/01/e-por-isso-que-torco-pela-argentina/

http://brasiliamaranhao.wordpress.com/2010/07/05/esses-sao-os-argentinos/

http://brasiliamaranhao.wordpress.com/2010/07/01/para-entender-a-paixao-argentina-pelo-futebol/

O vídeo você pode assistir aqui:

Argentina 0x5 Colômbia (05/09/1993)



terça-feira, março 09, 2010

É proibido ser curioso

O conhecimento é pecado. Adão e Eva comeram os frutos dessa árvore; e aconteceu o que aconteceu.

Algum tempo depois, Nicolau Copérnico, Giordano Bruno e Galileu Galilei sofreram castigo por terem comprovado que a Terra gira ao redor do sol.

Copérnico não se atreveu a publicar a escandalosa revelação, até sentir que a morte estava muito perto. A Igreja Católica incluiu sua obra no índex dos livros proibidos.

Bruno, poeta errante, divulgou pelos caminhos a heresia de Copérnico: o mundo não era o centro do universo, mas apenas um dos astros do sistema solar. A Santa Inquisição trancou-o durante oito anos num calabouço. Várias vezes ofereceram-lhe o arrependimento, e várias vezes Bruno se negou. Esse cabeça-dura foi enfim queimado, diante da multidão, no mercado romano de Campo dei Fiori. Enquanto ardia, aproximaram um crucifixo aos seus lábios. Ele virou o rosto.

Alguns anos depois, explorando o céu com as trinta e duas lentes de aumento do seu telescópio, Galileu confirmou que o condenado tinha razão.

Foi preso por blasfêmia.

Nos interrogatórios, desmoronou.

Em voz alta jurou que amaldiçoava quem acreditasse que o mundo se movia ao redor do sol.

E baixinho murmurou, dizem, a frase que lhe deu fama eterna.

Por Eduardo Galeano. "Espelhos - uma história quase universal".

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Dedicado - e publicado com largo atraso - ao Giordano Bruno, filhinho da querida amiga Dillian, a quem ainda devo uma visita para conhecer o seu fofucho, prestes a completar dois aninhos de vida!

sábado, maio 30, 2009

Eduardo Galeano sobre Benedetti

Escrevi sobre a passagem de Benedetti no Conexão Brasília Maranhão.

O vídeo abaixo, curtinho, 54 segundos, mostra Galeano falando sobre o amigo. Sem mais. Assista.

terça-feira, março 17, 2009

Perigo no ar - mulheres em luta!

Ontem foi divulgado o resultado da terceira edição do Prêmio Margarida Alves de Estudos de Rurais e Gênero, modalidade Ensaio Acadêmico.

É uma bela iniciativa do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Homenageia a grande lutadora Margarida Alves e estimula o debate sobre as questões de gênero no campo, tão sufocadas pelo machismo dominante quanto as próprias mulheres em sua realidade cotidiana.

Pesquisa da Fundação Perseu Abramo aponta que uma em cada cinco brasileiras já foi vítima de violência doméstica.

E a cada quinze segundos uma mulher é espancada no país que trata como mercadoria o corpo feminino e "enaltece" uma parte específica dele como "preferência nacional", tomando por "nacional" a preferência de menos da metade da população.

Margarida, além desse tipo de violência física e simbólica do dia-a-dia, também foi vítima da política dos senhores da Casa Grande, que hoje tentam disfarçar suas práticas posando de modernos empresários, sob a alcunha de agronegócio.

Ontem fui à reunião que definiu os resultados do prêmio (matéria aqui) e, quando a conversa abordou a violência doméstica, lembrei do texto abaixo, lido há poucos dias.

Perigo no ar

A rádio de Paiwas nasceu no centro da Nicarágua, às vésperas do século XXI.

O programa de maior audiência ocupa as madrugadas: “A bruxa mensageira” acompanha milhares de mulheres e mete medo em milhares de homens.

Às mulheres, a bruxa apresenta amigos desconhecidos, como esse tal de Papanicolau e a senhora Constituição. E fala de seus direitos, violência zero na rua, na casa e também na cama, e pergunta a elas:

- Como foi sua noite? Como foi tratada? Deu com prazer ou foi meio à força?

E os homens são denunciados com nome e sobrenome quando violam ou batem em suas mulheres. Pelas noites, a bruxa vai de casa em casa, em vôo de vassoura; e nas madrugadas, acaricia sua bola de cristal e adivinha segredos na frente do microfone:

- Ahá! Você está por aí, estou vendo você por aí! Batendo na sua mulher. Que barbaridade, que horror!

A rádio recebe e difunde as denúncias que os policiais não atendem. Os policiais estão ocupados com os ladrões de gado, e uma vaca vale mais que uma mulher.

Eduardo Galeano, Espelhos – uma história quase universal

Dedicado à queridíssima Mariana Pires, amiga e companheira de luta nas trincheiras da comunicação e das mulheres, que estudou um programa feito por mulheres na atormentada Zona da Mata de Pernambuco.

Não posso deixar de lembrar o belo texto "Cinco mulheres", sobre uma das ações históricas da guerreira boliviana Domitila Chungara e suas companheiras.

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domingo, março 15, 2009

Ateu graças a deus

Aos nove anos, iniciei um curso para me tornar coroinha. Estudava numa escola de freiras bastante tradicional no bairro onde vivia em Fortaleza. A entrada no curso era motivo de prestígio entre as crianças.

Não fui longe, uma ou duas semanas. Minha mãe percebeu os interesses, digamos, pouco louváveis do instrutor. Meses depois, ele seria expulso da igreja por ter praticados atos conhecidos por um nome que eu só escutaria pela primeira vez muitos anos depois: pedofilia.

Mas o primeiro desgosto real com a religião - particularmente com a Igreja Católica - veio apenas na sexta série, nas aulas de História, da professora Ana Lourdes. Descobri que os (auto-proclamados) representantes de Deus queimaram vivos milhares de pessoas e livros na Idade Média. O crime: idéias divergentes dos dogmas da instituição que chegou a ser proprietária de um terço de todas as terras da Europa. Para um menino de doze anos que era apaixonado por qualquer tipo de livro e adorava conhecer novas e diferentes idéias, aquilo era uma grave contradição.

Passou o tempo e hoje posso afirmar que as pessoas mais virtuosas e de espiritualidade mais latente que conheço não acreditam em deuses, tampouco em religiões monoteístas.

Num momento em que um bispo afirma enfaticamente que o aborto é algo muito mais grave do que o estupro de uma criança de nove anos, a minha convicção no ateísmo é reconfortada. Como dizia o grande mestre Caldeira, a quem dediquei minha monografia de graduação: "Sou ateu graças a deus!".

Vale muito ler o texto abaixo.

Um pai que não ri nunca

Os judeus, os cristãos e os muçulmanos veneram a mesma divindade. É o deus da Bíblia, que responde a três nomes, Yahvé, Deus e Alá, conforme quem o invoque. Os judeus, os cristãos e os muçulmanos matam-se entre si dizendo que obedecem às suas ordens.

Entre as outras religiões, os deuses são ou foram muitos. Números olimpos existiram e existem na Grécia, na Índia, no México, no Peru, no Japão, na China. E ainda assim, o deus da Bíblia é ciumento. Ciumento de quem? Por que se preocupa tanto com a competência, se Ele é o único e verdadeiro?

Não te prostrarás diante de nenhum outro deus, pois Yahvé se chama Ciumento, é um Deus ciumento. (Êxodo)

Por que castiga nos filhos, e por várias gerações, a infidelidade dos pais?

Eu, Yahvé, teu Deus, castigo a iniqüidade dos pais nos filhos até a terceira e a quarta geração dos que me odeiam. (Êxodo)

Por que está sempre tão inseguro? Por que desconfia tanto de seus devotos? Por que necessita ameaçá-los para que o obedeçam? Falando ao vivo e diretamente, ou pela boca dos profetas, adverte:

Se não obedeces à voz de Yahvé, teu Deus, ele te ferirá de tísica, de febre, de inflamação, de gangrena, de aridez. Esposarás uma mulher, e outro homem a fará dele. Pó e areia serão a chuva da tua terra. Semearás em teus campos muita semente, mas a secará o gafanhoto. Plantarás vinhedos, mas não beberás vinho, porque os vermes os devorarão. Vos oferecereis à venda a vossos inimigos como escravos e escravas, mas não haverá comprador. (Deuteronômio)

Durante seis dias se trabalhará, mas o sétimo será sagrado para vós, dia de descanso completo em louvor a Yahvé. Qualquer um que trabalhe nesse dia morrerá. (Êxodo)

Aquele que blasfemar o nome de Yahvé será morto. A comunidade inteira o apedrejará. (Levítico)

Mais eficazes são os castigos que as recompensas. A Bíblia é um catálogo de espantosos castigos contra os incrédulos:

Soltarei contra vós as feras selvagens. Vos açoitarei sete vezes mais pelos vossos pecados. Comereis a carne de vossos filhos, comereis a carne de vossas filhas. Desembainharei a espada contra vós. Vossa terra será sempre um ermo e vossas cidades uma ruína. (Levítico)

Esse Deus sempre zangado domina o mundo do nosso tempo através de suas três religiões. Não é lá um Deus muito amável, digamos:

Deus ciumento e vingador, Yahvé, rico em ira! Se vinga de seus adversários, guarda rancor de seus inimigos. (Nahum)

Seus dez mandamentos não proíbem a guerra. Ao contrário: Ele manda fazer a guerra. E a sua é uma guerra sem piedade por ninguém, nem mesmo pelos bebês:

Não tenhas compaixão pelo povo de Amalec. Matarás homens e mulheres, crianças e lactantes, bois e ovelhas, camelos e asnos... (Samuel)

Filha de Babel, devastadora: feliz aquele que agarrar teus pequenos e os despedaçar contra as rochas! (Salmos)

Eduardo Galeano, "Espelhos - uma história quase universal"

Como canta a rapazeada do Eddie, "Eu só poderia crer no deus que confiasse em agitador ou em mestre de obras". A letra está aqui. E a música, aqui.

PS: a imagem é de Michelangelo, num afresco da Capela Sistina.
PS2: Se você também quiser ser excomungado pelo bispo de Olinda, escreva e faça o pedido diretamente a ele:
arcebispo@arquidioceseolindarecife.org.br (aproveite e mande esse post pra ele)
PS3: Não confunda ateísmo com agnosticismo. Pessoalmente, tenho muita afinidade (e curiosidade) pelo espiritismo - fruto de convivência e influência familiar - e pelas religiões de matriz africana - resultado de leituras (sobretudo alguns textos de Steve Biko) e convivências.

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segunda-feira, março 02, 2009

A Marselhesa


A Marselhesa é, sem qualquer sombra de dúvida, uma das canções mais belas e emocionantes que a humanidade já produziu. Verdadeiramente arrepiante.

Tenho várias versões aqui, mas a versão de Edith Piaff... sem comentários... (se ainda não ouviu, clique aqui para baixar - letra aqui)



Poucos sabem a sua história, entretanto.

A Marselhesa

O hino mais famoso do mundo nasceu de um famoso momento da história universal. Mas também nasceu da mão que o escreveu e da boca que pela primeira vez o cantarolou: a mão e a boca de seu nada famoso autor, o capitão Rouget de Lisle, que o compôs numa noite.
A letra foi ditada pelas vozes da rua, e a música brotou como se o autor a tivesse dentro dele, desde sempre, esperando para sair.
Corria o ano de 1792, horas turbulentas: as tropas prussianas avançavam contra a revolução francesa. Discursos inflamados e declarações alvoraçavam as ruas de Estrasburgo.
- Às armas, cidadãos!
Em defesa da revolução acossada, o recém-recrutado exército do Reno partiu rumo à frente de batalha. O hino de Rouget deu brio às tropas. Soou, emocionou; e alguns meses depois, reapareceu, sabe-se lá como, na outra ponta da França. Os voluntários de Marselha marcharam para o combate cantando essa canção poderosa, que passou a se chamar "A Marselhesa", e a França inteira fez coro. E o povo invadiu, cantando, o palácio das Tulherias.
O autor foi preso. O capitão Rouget era suspeito de traição à pátria, porque tinha cometido a insensatez de divergir da dona Guilhotina, a mais afiada ideóloga da revolução.
No fim, saiu do cárcere. Sem uniforme, sem salário.
Durante anos arrastou sua vida, comido pelas pulgas, perseguido pela polícia. Quando dizia que era o pai do hino da revolução, todo mundo ria na sua cara.

Eduardo Galeano, "Espelhos - uma história quase universal".

Dedicado ao meu primo-irmão Ricardo Ferraz, que morou três anos em Paris, onde fez o doutorado e onde teve o desprazer de assistir, rodeado de franceses, à segunda humilhação que Zinedine Zidane impôs sobre a seleção canarinho.

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Marajó, Amazonas...

Estive durante cinco dias em Marajó, Pará, a trabalho. Mais precisamente em São Sebastião da Boa Vista, sul da ilha. Nada de búfalos. Muito açaí, muita água (dos rios e das chuvas) e um ambiente de muita alegria e magia. A viagem coincidiu com a lua cheia de fevereiro. Inesquecível.

Mais detalhes, num outro blog que estou ensaiando, o Brasil mais profundo.

Alguns (dos mais de seis mil - meus, do Bira e do Leonardo Melgarejo) registros de lá podem ser vistos aqui. Nem somadas, as imagens conseguirão expressar o que vivemos aqueles dias.

Mas deixo aqui dois textos do livro novo do Galeano, "Espelhos - uma história quase universal", que li na chegada a São Sebastião, no bar da dona Silvana, o Porto Seguro. Bastante adequados à ocasião, ressalto.

Amazonas

As amazonas, temíveis mulheres, tinham lutado contra Hércules quando ele ainda era Heracles, e contra Aquiles na Guerra de Tróia. Odiavam os homens e cortavam o seio direito para que suas flechadas fossem mais certeiras.

O grande rio que atravessa o corpo das Américas de lado a lado se chama Amazonas por obra e graça do conquistador espanhol Francisco de Orellana.

Ele foi o primeiro europeu que o navegou, lá de dentro da terra até mar afora. Voltou para a Espanha com um olho a menos, e contou que seus bergantins tinham sido crivados a flechadas por mulheres guerreiras, que lutavam nuas, rugiam como feras e quando sentiam fome de amores seqüestravam homens, os beijavam na noite e os estrangulavam ao amanhecer.

E para dar prestígio grego ao seu relato, Orellana disse que elas eram aquelas amazonas adoradoras da deusa Diana, e com seu nome batizou o rio onde tinham seu reino.

Os séculos se passaram. Das amazonas, nunca mais ninguém soube. Mas o rio continua com o seu nome, e embora a cada dia o envenenem os pesticidas, os adubos químicos, o mercúrio das minas e o petróleo dos barcos, suas águas continuam sendo as mais ricas do mundo em peixes, aves e histórias.


Foto: Ubirajara Machado/BP
Quantos sabem a origem do nome do rio Amazonas?

Servos e senhores

O cacau não precisa do sol. Porque o traz por dentro.

Do sol de dentro nascem o prazer e a euforia que o chocolate dá.

Os deuses tinham o monopólio do espesso elixir, lá nas alturas, e nós, os humanos, estávamos condenados a ignorá-lo.

Quetzalcóatl roubou-o para os toltecas. Enquanto os outros deuses dormiam, ele pegou umas sementes de cacau e as escondeu em sua barba e por um longo fio de aranha desceu até a terra e as deu de presente à cidade de Tula.

A oferenda de Quetzalcóatl foi usurpada pelos príncipes, pelos sacerdotes e pelos chefes guerreiros.

Apenas os seus paladares foram dignos de recebê-la.

Os deuses do céu tinham proibido o chocolate aos mortais, e os donos da terra o proibiram para as pessoas comuns e correntes.


Foto: Leonardo Melgarejo
Com o cacau que a dona Silvana trouxe do seu quintal.

Eduardo Galeano - "Espelhos - uma história quase universal".

Pra quem é fã da língua de Castella, vale ler essa resenha do livro, publicada pelo mexicano La Jornada.

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