quarta-feira, dezembro 15, 2010

O parricídio

Dedicado à Léa, que foi questionada, por colombianos:

- Por quê o seu amigo quer uma camisa da seleção colombiana de futebol?

Se não tivesse existido em nenhum dia além daquele 5 de setembro de 1993, o futebol da Colômbia já mereceria seu lugar na galeria das mais memoráveis exibições já feitas na história do esporte mais popular do planeta.

Eduardo Galeano (d)escreve melhor aquele episódio.

O parricídio
No final do inverno de 1993, a seleção colombiana jogou em Buenos Aires uma partida de classificação para o Mundial. Quando os jogadores colombianos entraram em campo, foram vaiados, insultados. Quando saíram, o público despediu-se deles de pé, com uma ovação que até hoje é escutada.

A Argentina perdeu por 5 a 0. Como de costume, foi o goleiro que carregou a cruz da derrota, mas a vitória alheia foi celebrada como nunca. Por unanimidade, os argentinos agradeceram ao prodigioso jogo colombiano, gozo das pernas, prazer dos olhos: uma dança que ia criando, com coreografia mutante, sua própria música. A autoridade do Pibe Valderrama, um mulato plebeu, dava inveja aos príncipes, e os jogadores negros eram os reis da festa: ninguém passava por Perea, não havia quem detivesse o Trem Valencia, não havia quem pudesse com os tentáculos do Polvo Asprilla e não havia quem agarrasse os tirambaços de Rincón. Pela cor da pele e a cor da alegria, aquele parecia um time do Brasil dos melhores tempos.

Os colombianos chamaram aquela goleada de parricídio. Meio século antes, tinham sido argentinos os pais do futebol em Bogotá, Medellín ou Cali. Mas Pedernera, Di Stéfano, Rossi, Rial, Pontoni e Moreno tinham gerado um filho de tipo mais brasileiro, por causa das tais coisas da vida.

[Eduardo Galeano, Futebol ao sol e sombra]

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Repito sem dó: aquela foi uma das maiores exibições da história do futebol. E para quem não sabe da minha paixão pela Argentina, leia isso:

http://brasiliamaranhao.wordpress.com/2010/07/01/e-por-isso-que-torco-pela-argentina/

http://brasiliamaranhao.wordpress.com/2010/07/05/esses-sao-os-argentinos/

http://brasiliamaranhao.wordpress.com/2010/07/01/para-entender-a-paixao-argentina-pelo-futebol/

O vídeo você pode assistir aqui:

Argentina 0x5 Colômbia (05/09/1993)



terça-feira, março 09, 2010

É proibido ser curioso

O conhecimento é pecado. Adão e Eva comeram os frutos dessa árvore; e aconteceu o que aconteceu.

Algum tempo depois, Nicolau Copérnico, Giordano Bruno e Galileu Galilei sofreram castigo por terem comprovado que a Terra gira ao redor do sol.

Copérnico não se atreveu a publicar a escandalosa revelação, até sentir que a morte estava muito perto. A Igreja Católica incluiu sua obra no índex dos livros proibidos.

Bruno, poeta errante, divulgou pelos caminhos a heresia de Copérnico: o mundo não era o centro do universo, mas apenas um dos astros do sistema solar. A Santa Inquisição trancou-o durante oito anos num calabouço. Várias vezes ofereceram-lhe o arrependimento, e várias vezes Bruno se negou. Esse cabeça-dura foi enfim queimado, diante da multidão, no mercado romano de Campo dei Fiori. Enquanto ardia, aproximaram um crucifixo aos seus lábios. Ele virou o rosto.

Alguns anos depois, explorando o céu com as trinta e duas lentes de aumento do seu telescópio, Galileu confirmou que o condenado tinha razão.

Foi preso por blasfêmia.

Nos interrogatórios, desmoronou.

Em voz alta jurou que amaldiçoava quem acreditasse que o mundo se movia ao redor do sol.

E baixinho murmurou, dizem, a frase que lhe deu fama eterna.

Por Eduardo Galeano. "Espelhos - uma história quase universal".

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Dedicado - e publicado com largo atraso - ao Giordano Bruno, filhinho da querida amiga Dillian, a quem ainda devo uma visita para conhecer o seu fofucho, prestes a completar dois aninhos de vida!