domingo, fevereiro 17, 2008

Tempo compartido, vidas compartidas

Este é o segundo texto do maravilhoso "Dias e noites de amor e de guerra", livreto emocionante, revoltante e revigorante para qualquer pessoa em cujas veias correm sangue realmente vermelho.

A matéria-prima são crônicas de fatos colecionados, principalmente, nas andanças forçadas de Eduardo Galeano em meados dos anos 70. Naquele período, por muito pouco Galeano não entrou para as estatísticas dos "efeitos colaterais" das ditaduras uruguaia e argentina, iniciadas respectivamente em 1973 e 1976. Foi morar na Espanha, de onde regressou apenas em 1984.

Dedico a todas as pessoas que não têm medo de, dividindo alegrias e tristezas, se dividir entre (e com) quem lhes importa. Em especial, às minhas amigas e companheiras do "albergue" (segundo o síndico) do bloco K da 216 Norte, na (Bras)Ilha do coração do Brasil: a cearense Mayrá, a gaúcha Gija e a catarinense Joana.

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Fecho os olhos e estou no meio do mar

Perdi várias coisas em Buenos Aires. Pela pressa ou por azar, ninguém sabe onde foram parar. Saí com um pouco de roupa e um punhado de papéis.

Não me queixo. Com tantas pessoas perdidas, chorar pelas coisas seria desrespeitar a dor.

Vida cigana. As coisas me acompanham e vão embora. São minhas de noite, perco-as de dia. Não estou preso às coisas; elas não decidem nada.

Quando me separei de Graziela deixei a casa de Montevidéu intacta. Ficaras os caracóis de Cuba e as espadas da China, os tapetes da Guatemala, os discos e os livros e tudo. Levar alguma coisa teria sido um roubo. Tudo isso era dela, tempo compartido, tempo que agradeço; e me larguei no caminho, rumo ao não sabido, limpo e sem carga.

A memória guardará o que valer a pena. A memória sabe de mim mais que eu; e ela não perde o que merece ser salvo.

Febre de meus adentros: as cidades e as gentes, soltas da memória, navegam para mim: terra onde nasci, filhos que fiz, homens e mulheres que me aumentaram a alma.

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