quarta-feira, junho 25, 2008

A rica e bela história do Haiti

Primeiro país da América Latina a se declarar independente e a decretar a abolição da escravatura, o Haiti - palavra que significa "país montanhoso" - tem uma das mais belas histórias do Novo Mundo.

A pobreza econômica atual contrasta com o passado de colônia francesa mais rica da América. No século XVIII, chegou a ser, por muito tempo, o maior produtor mundial de açúcar, numa era em que este era chamado de "ouro branco" e era motivo de guerras entre países.

Palco da maior rebelião negra até hoje realizada, o pequeno país se fez grande ao pegar o embalo da Revolução Francesa e se tornar livre. Liderados por Toussaint l'Ouverture, os escravos da colônia se declararam livres em 1794. Poucos anos depois, as tropas de Napoleão invadiram a ilha Hispaniola e promoveram um banho de sangue para restaurar o regime de servidão.

Sinônimo de miséria, o país hoje é ocupado por soldados da ONU, liderados pelo Exército brasileiro, numa operação polêmica e, como toda ocupação militar, marcada por arbitrariedades pouco visíveis na mídia tupiniquim.

Vale muito a pena ler o blog e o vídeo* do amigo Aloisio Milani, de quem esperamos um livro reunindo as experiências acumuladas nas várias viagens àquele país. Aliás, o Milani é um dos repórteres cujo trabalho acende uma ponta de esperança no jornalismo, nesses tempos em que, para os escribas das grandes redações, pouco ou nenhum valor têm os ensinamentos - na prática profissional - de mestres como outro Aloysio, o Biondi.

E deixo dois de tantos registro do Galeano sobre esse país de tão rica e brava gente.

*O documentário é de autoria de Aloisio Milani (direção), Marcello Casal Jr. (fotografia) e Oswaldo Alves (cinegrafia), e mostra o cotidiano da mais pobre favela de Porto Príncipe, Cité Soleil.

1794
Paris

"O REMÉDIO DO HOMEM É O HOMEM", dizem os negros sábios, e bem o sabem os deuses. Os escravos do Haiti já não são escravos.

Durante cinco anos, a Revolução Francesa tinha bancado a surda. Em vão protestavam Marat e Robespierre. A escravidão continuava nas colônias: não nasciam livres nem iguais, apesar da Declaração dos Direitos do Homem, os homens que eram propriedade de outros homens nas distantes plantações das Antilhas. Afinal de contas, a venda de negros da Guiné era o negócio principal dos revolucionários mercadores de Nantes, Bordéus e Marselha; e do açúcar antilhano viviam as refinarias francesas.

Acossado pela insurreição negra, encabeçada por Toussaint Louverture, o governo de Paris acaba decretando o fim da escravidão.


1795
Montanhas do Haiti
TOUSSAINT

Entrou em cena há um par de anos. Em Paris, é chamado de O Espártaco Negro.
Toussaint Louverture tem corpo de rã e os lábios ocupam quase toda a sua cara. Era cocheiro de uma plantação. Um negro velho lhe ensinou a ler e a escrever, a curar cavalos e a falar com os homens; mas sozinho aprendeu a olhar não só com os olhos, e sabe ver o vôo em cada pássaro que dorme.

(ambos extraídos de Memória do Fogo II - As caras e as máscaras)

2 comentários:

Aloisio Milani disse...

Grande Rogério, obrigado pelo comentário aí no blog. Essa história haitiana é realmente um dose enorme de real politik e ao mesmo tempo de um lirismo épico. Nunca ouvi do próprio Galeano, mas tenho a impressão que muitas das impressões anotadas no por ele sobre o Haiti devem vir da fantástica pesquisa do CLR.James, do livro The black jacobines. Outro militante, aquele abade francês que escrevi no meu blog, o Henri Gregoire, escreveu algo assim na época da luta pela independência: “(…) que um dia nas costas das Antilhas o sol iluminará homens livres e que os raios do astro que espalha a luz não cairão mais sobre ferros e escravos”.

Unknown disse...

Vamos tirar a poeira disso aqui?