Aos nove anos, iniciei um curso para me tornar coroinha. Estudava numa escola de freiras bastante tradicional no bairro onde vivia em Fortaleza. A entrada no curso era motivo de prestígio entre as crianças.
Não fui longe, uma ou duas semanas. Minha mãe percebeu os interesses, digamos, pouco louváveis do instrutor. Meses depois, ele seria expulso da igreja por ter praticados atos conhecidos por um nome que eu só escutaria pela primeira vez muitos anos depois: pedofilia.
Mas o primeiro desgosto real com a religião - particularmente com a Igreja Católica - veio apenas na sexta série, nas aulas de História, da professora Ana Lourdes. Descobri que os (auto-proclamados) representantes de Deus queimaram vivos milhares de pessoas e livros na Idade Média. O crime: idéias divergentes dos dogmas da instituição que chegou a ser proprietária de um terço de todas as terras da Europa. Para um menino de doze anos que era apaixonado por qualquer tipo de livro e adorava conhecer novas e diferentes idéias, aquilo era uma grave contradição.
Passou o tempo e hoje posso afirmar que as pessoas mais virtuosas e de espiritualidade mais latente que conheço não acreditam em deuses, tampouco em religiões monoteístas.
Num momento em que um bispo afirma enfaticamente que o aborto é algo muito mais grave do que o estupro de uma criança de nove anos, a minha convicção no ateísmo é reconfortada. Como dizia o grande mestre Caldeira, a quem dediquei minha monografia de graduação: "Sou ateu graças a deus!".
Vale muito ler o texto abaixo.
Um pai que não ri nunca
Os judeus, os cristãos e os muçulmanos veneram a mesma divindade. É o deus da Bíblia, que responde a três nomes, Yahvé, Deus e Alá, conforme quem o invoque. Os judeus, os cristãos e os muçulmanos matam-se entre si dizendo que obedecem às suas ordens.
Entre as outras religiões, os deuses são ou foram muitos. Números olimpos existiram e existem na Grécia, na Índia, no México, no Peru, no Japão, na China. E ainda assim, o deus da Bíblia é ciumento. Ciumento de quem? Por que se preocupa tanto com a competência, se Ele é o único e verdadeiro?
Não te prostrarás diante de nenhum outro deus, pois Yahvé se chama Ciumento, é um Deus ciumento. (Êxodo)
Por que castiga nos filhos, e por várias gerações, a infidelidade dos pais?
Eu, Yahvé, teu Deus, castigo a iniqüidade dos pais nos filhos até a terceira e a quarta geração dos que me odeiam. (Êxodo)
Por que está sempre tão inseguro? Por que desconfia tanto de seus devotos? Por que necessita ameaçá-los para que o obedeçam? Falando ao vivo e diretamente, ou pela boca dos profetas, adverte:
Se não obedeces à voz de Yahvé, teu Deus, ele te ferirá de tísica, de febre, de inflamação, de gangrena, de aridez. Esposarás uma mulher, e outro homem a fará dele. Pó e areia serão a chuva da tua terra. Semearás em teus campos muita semente, mas a secará o gafanhoto. Plantarás vinhedos, mas não beberás vinho, porque os vermes os devorarão. Vos oferecereis à venda a vossos inimigos como escravos e escravas, mas não haverá comprador. (Deuteronômio)
Durante seis dias se trabalhará, mas o sétimo será sagrado para vós, dia de descanso completo em louvor a Yahvé. Qualquer um que trabalhe nesse dia morrerá. (Êxodo)
Aquele que blasfemar o nome de Yahvé será morto. A comunidade inteira o apedrejará. (Levítico)
Mais eficazes são os castigos que as recompensas. A Bíblia é um catálogo de espantosos castigos contra os incrédulos:
Soltarei contra vós as feras selvagens. Vos açoitarei sete vezes mais pelos vossos pecados. Comereis a carne de vossos filhos, comereis a carne de vossas filhas. Desembainharei a espada contra vós. Vossa terra será sempre um ermo e vossas cidades uma ruína. (Levítico)
Esse Deus sempre zangado domina o mundo do nosso tempo através de suas três religiões. Não é lá um Deus muito amável, digamos:
Deus ciumento e vingador, Yahvé, rico em ira! Se vinga de seus adversários, guarda rancor de seus inimigos. (Nahum)
Seus dez mandamentos não proíbem a guerra. Ao contrário: Ele manda fazer a guerra. E a sua é uma guerra sem piedade por ninguém, nem mesmo pelos bebês:
Não tenhas compaixão pelo povo de Amalec. Matarás homens e mulheres, crianças e lactantes, bois e ovelhas, camelos e asnos... (Samuel)
Filha de Babel, devastadora: feliz aquele que agarrar teus pequenos e os despedaçar contra as rochas! (Salmos)
Eduardo Galeano, "Espelhos - uma história quase universal"
Como canta a rapazeada do Eddie, "Eu só poderia crer no deus que confiasse em agitador ou em mestre de obras". A letra está aqui. E a música, aqui.
PS: a imagem é de Michelangelo, num afresco da Capela Sistina.
PS2: Se você também quiser ser excomungado pelo bispo de Olinda, escreva e faça o pedido diretamente a ele: arcebispo@arquidioceseolindarecife.org.br (aproveite e mande esse post pra ele)
PS3: Não confunda ateísmo com agnosticismo. Pessoalmente, tenho muita afinidade (e curiosidade) pelo espiritismo - fruto de convivência e influência familiar - e pelas religiões de matriz africana - resultado de leituras (sobretudo alguns textos de Steve Biko) e convivências.
*****
3 comentários:
(ainda) sou católico, embora não muito praticante, risos. essa do arcebispo foi horrível, péssima, enfim, faltam adjetivos para desqualificá-lo. eddie é muito foda! abração!
INSTITUIÇÃO FALIDA!!!
pessoalmente acredito em boas e más energias, parceiro. e creio que há uma fonte maior que emana uma vibe positiva pra todos nós...
Jesus, Maomé, Buda, Gandhi, Che, Bob pessoas iluminadas que encontraram motivações pra viver e fizeram de sua vida uma mensagem de paz e idealismo
Não sou nenhum fanático religioso, mas, assim como não vou deixar de querer usufruir dos benefícios da medicina porque os médicos matam animais em experiências ou porque estudos nazistas podem ser (ou são) usados em pesquisas, não vou deixar de acreditar em Deus por causa de umas passagens mal escritas da Bíblia.
Meus motivos são simples, pois, na pior das hipóteses, Deus é a melhor teoria que temos para explicar o TODO (apesar de ad hoc à primeira vista). Não o Deus invejoso e vingativo que notamos com uma lida rápida da Bíblia, mas um Deus tão amoroso que não pode ser explicado facilmente a partir de interpretações de sonhos em um livro. Eu espero me preparar para entender uma divindade de capacidades mais estranhas e uma “mente” mais complexa que a teoria de deformar espaço e tempo de Einstein. No fim, também observo que tomo cuidado para não odiar matemática por causa do professor chato, não parar de estudar física por causa das bombas atômicas e deixar de gostar das mulheres por causa de uma possível frustração amorosa, apesar de que se opor a estas coisas faz com que idéias sejam reformuladas. A gente sempre usa mal aquilo que não entende direito e não podia ser diferente com Deus. Pessoalmente, eu digo ter inventado a minha própria religião de uma forma que ela não tem nome porque não pretendo pregá-la, que significa tão pouco pro mundo a ponto de nunca poder causar guerras, mas que me permite supor racionalmente (com uma lógica não convencional) a existência de Deus e que Ele pode estar sendo mal interpretado, inclusive neste texto.
Abraços. Vou começar a acompanhar o blog.
Postar um comentário