domingo, maio 06, 2007

Os filhos

Li o texto abaixo pela primeira vez num ônibus da Itapemirim que cortava o mapa do Brasil, em algum lugar entre São Luís e São Paulo, em 2002.

Meus olhos se transformaram em cachoeira nas últimas frases. Comoção mista de alegria, surpresa, tristeza e vontade de ter uma criança pra dar o carinho de pai. Até hoje, me emociono a cada vez que releio.

Ontem conversei rápido, num chat, com Fábio Marcelo, cearense que mora em Palmas(TO) há mais de década. Estudamos no segundo ano do Lourenço Filho, em Fortaleza, 1993. Mantivemos contato, embora com alguns hiatos no caminho, e a amizade firme. Fábio é daqueles amigos cuja lembrança me deixa leve, pelo bom humor, sinceridade e serenidade. O contato é pequeno, mas a admiração - mútua, tenho certeza - é grande.

Tem duas paixões na vida: Cristiane, esposa, e a filha Giovana. Na rápida conversa ontem, ele me deu uma notícia que vale uma vida, literalmente. Nascida em setembro de 2006, com síndrome de Down, Giovana tinha um problema no coração. Numa cirurgia delicada, realizada no Hospital do Coração, em São Paulo, o problema foi corrigido e Giovana não corre mais risco de vida. Acordei e essa imagem - a felicidade sem tamanho do Fábio e sua família - veio à mente e lembrei desse texto, que dedico a eles.

Os filhos

Há onze anos, em Montevidéu, eu estava esperando Florência na porta de casa. Ela era muito pequena: caminhava como um ursinho. Eu a encontrava pouco. Ficava no jornal até qualquer hora e pela manhã trabalhava na Universidade. Beijava-a adormecida; às vezes levava chocolate ou brinquedos para ela.

A mãe não estava, aquela tarde, e eu esperava na porta o ônibus que trazia Florência do jardim-de-infância. Chegou muito triste. No elevador fez beicinho. Depois deixou que o leite esfriasse na xícara. Olhava o chão.

Sentei-a em meus joelhos e pedi que me contasse. Ela negou com a cabeça. Acariciei-a, beijei sua testa. Deixou escapar uma lágrima. Com o lenço sequei sua cara e assoei seu nariz. Então, pedi outra vez:

- Vamos, conta.

Contou-me que sua melhor amiga tinha dito: "Eu não gosto mais de você". Choramos juntos, os dois abraçados, ali na cadeira.

Eu sentia as mágoas que Florência ia sofrer pelos anos afora e quisera que Deus existisse e não fosse surdo, para poder rogar que me desse toda a dor que tinha reservado para ela.


Eduardo Galeano, Dias e noites de amor e de guerra.

2 comentários:

Anônimo disse...

Valeu meu amigo. Essa vou guardar p/mostrar p/Giovana daqui há alguns anos.

Anônimo disse...

Me vieram as lágrimas tb!!!
Deu até uma vontade de apressar a chegada de um filhote!!!!
Um abraço pra tu!!!